|
Conhecendo
a Basílica parte 7 - “sob o olhar dos capuchinhos”
Chegamos em 1922, e
encontramos o nosso terceiro tripé histórico, os
Capuchinhos. A capela do Embaré está com 47 anos, a
administração passa para missionários Capuchinhos
Trentinos, que pagam 25 contos de réis, à título de
indenização ao Padre Gastão de Moraes.
Os Frades chegam com o
entusiasmo do Bispo Arquidiocesano de São Paulo, Dom
Duarte Leopoldo e Silva, e a certeza que a Capela, que
naquele momento é grande o suficiente para ser
considerada uma igreja, e a sede de uma nova paróquia.
Os capuchinhos gozam de muito prestígio com o clero
paulista, historicamente ficou marcada a presença dos
capuchinhos na formação dos padres de São Paulo, mas
antes de avançar sobre a administração dos frades na
capela (ou igreja), temos de contextualizar quem são
esses missionários Trentinos, que transformaram a Capela
do Visconde, na majestosa Basílica do Embaré.
Os Frades Capuchinhos são um
ramo da Ordem dos Frades Menores Franciscanos, fundada
por São Francisco de Assis, entre o ano de 1209 e 1210.
Em 1525, Mateus de Bascio, um frade jovem, quis viver
conforme as origens da ordem, e para tanto obteve
permissão do Papa Clemente VII, além do direito de usar
o hábito que já dispunha. Anos depois, dois irmãos de
sangue, Frei Ludovico e Frei Rafael de Fossombrone, se
uniram a Frei Mateus, e obtiveram do mesmo Papa, através
de uma petição apresentada por Catarina de Cibo,
permissão para iniciar uma nova reforma da Ordem
Franciscana, com a bula “Religionis Zelus”. Em 3 de
junho de 1528, está fundada a Ordem dos Capuchinhos.
A designação inicial da nova
Ordem era Frades Menores da Vida Eremítica. Por terem
retomado a veste usada por São Francisco, e seus
primeiros companheiros, uma túnica com capuz pontiagudo
e muito rudimentar, quando os reformados saíram nas
ruas, o povo os tomou por ermitões e os seguiam gritando
“SCAPUCCIATTI”, “Cappuccini”, em português Capuchinhos.
Devido ao longo capuz adotado, esse apelido acabou por
denominar a Ordem em documentos oficiais (1534).
Os franciscanos confundem-se
com a própria história do Brasil, mas os Capuchinhos tem
uma relação mais profunda com o projeto colonial
francês; na verdade, os Capuchinhos estão para os
franceses, assim como os Jesuítas estão para os
portugueses. A primeira comunidade Capuchinha de São
Paulo (oficialmente instalada), foi de frades franceses
reformadores do seminário episcopal de São Paulo, de
1854 a 1878. Essa comunidade é que deixou o “terreno
fértil” para o já citado prestígio dos Capuchinhos com o
clero paulista.
Próximo à República, D. Pedro
II dirigiu, ao ministro geral da Ordem, um pedido,
solicitando o envio de novos missionários ao Brasil,
para ajudar na catequese indígena. Esse pedido foi
encaminhado ao Provincial de Trento. Em um Capítulo
Provincial, Frei Bernardino de Lavalle apresenta o
pedido a seus irmãos, que aceitam e escolhem São Paulo,
pois muitos Trentinos estão se dirigindo a este local,
para compor mão de obra muito requisitada. Frei Félix de
Lavalle, irmão de Frei Bernardino, foi escolhido como
superior da missão, então composta por mais três frades,
Frei Luís de Santiago, Frei Caetano de Pietramurata e
Frei Vigílio de Trento.
Os frades partem de Trento em
27 de julho de 1889. Antes, param em Roma, para uma
visita ao Papa Leão XIII, que pede para aos frades uma
especial dedicação ao culto, e divulgação do Sagrado
Coração de Jesus, e os presenteia com uma estampa do
Sagrado Coração, que, ainda hoje, encontra-se em
Piracicaba. O culto ao Sagrado Coração de Jesus passa a
ser o primeiro a ser trabalhado junto às comunidades
atendidas pelos frades.
Por escolha do destino, Frei
Vigílio morreu de tifo durante a viagem; os frades
chegaram ao Rio de Janeiro em 6 de outubro de 1889,
hospedando-se no convento do Morro do Castelo, e
partiram para São Paulo e onde fundaram a Missão.
Residiram inicialmente em Tietê, onde a população local
logo se afeiçoou aos frades, não compreendendo como
esses poderiam viver somente de esmolas. Chegaram a
Piracicaba em 1890, e começaram a trabalhar com os
imigrantes Trentinos. Os frades levavam uma vida de
observância regular, mesmo antes de construírem
conventos. As práticas capuchinhas eram cumpridas à
risca, com o ofício divino à meia noite, duas meditações
por dia, retiros mensais, tudo aos moldes da tradição
capuchinha, argumentada dessa forma por Fr. Félix:
“Se o Capuchinho vive como
Capuchinho até o Diabo o respeitará, tanto mais que os
brasileiros são de índole boa e religiosa e, se pecam, é
mais por fragilidade que por malícia”.
Fundaram o primeiro convento
da Ordem no Brasil, no ano de 1896, dedicado ao Sagrado
Coração de Jesus, em Piracicaba. No ano de 1898, já são
mais de 20 frades, vindos de Trento. A Ordem cresceu, e
se estendeu por outros lugares. Além de se dedicarem a
missão entre os índios (com destaque o trabalho dos
frades junto aos índios Kaingang, que proporcionou o
dicionário escrito por frei Mansueto de Valfloriano,
referência para quem estuda a cultura dos índios
coroados), abriram diversos conventos, e assumiram os
conventos, dos franciscanos da Observância, de Santa
Clara em Taubaté, em 1892, e o do largo São Francisco,
em São Paulo, em 1897; fundaram a igreja Imaculada
Conceição em São Paulo em 1909, Nossa Senhora de Lourdes
em Botucatu, em 1918, e assumiram o Embaré, em Santos,
em 1922, sendo essa a última casa a compor o ciclo de
expansão histórica dos missionários Trentinos.
É importante ressaltar que a
vida “capuchinha” compõem parte do complexo arranjo
normativo de construção histórica da Província, e que
reflete em suas obras e casas, a outra parte se deve a
origem cultural montanhesca dos frades trentinos.
Estilisticamente, o gosto pelo neoclássico, e o apreço
pelas imagens e altares em madeira, está mais
relacionado à formação cultural trentina, que a
identidade franciscana ou capuchinha. O Embaré é o mais
belo exemplo desse binômio cultural/religioso que os
missionários representam. A primeira vista,
contraditório, mas no decorrer do próximo artigo podemos
nos debruçar neste foco, e ver como tão bem os frades
resolveram esse dilema.
Danilo Brás
conservador
- restaurador da Basílica do Embaré |
|
|